Explanação sobre o artigo: Síndrome de Burnout e Projeto de Ser” de Castro e Zanelli (2007)
- Mineto, Silva e Vicente, 2017
- 7 de ago. de 2017
- 14 min de leitura
DEFINIÇÃO DA SÍNDROME DE BURNOUT
Vários pesquisadores têm pesquisado a respeito da sobrecarga psicofísica no ambiente de trabalho desde a década de 70. Entretanto são os estudos de Maslach (1978) e de Freudenberger (1974) que, ao convergirem entre si, conceituam a chama “síndrome de burnout”. Eles concluíram que ela é determinada por diversos fatores (multidimensional) e que seu entendimento compreende três variáveis essenciais:
Exaustão Emocional (EE): Estado em que a pessoa apresenta esgotamento psicofísico extremo (“no limite de suas forças”); não tem energia para encarar projetos e até mesmo outras pessoas, sendo impossibilitado de recuperar-se de um dia para o outro (descanso). Está relacionada a demandas exageradas de trabalho, como pressão (tempo), sobrecarga e papéis profissionais indefinidos ou ambíguos.
Despersonalização (D): A Pessoa adota atitudes de incredulidade, apatia e indiferença com tudo relacionado ao trabalho. A partir disso, constata-se o descomprometimento desse profissional com as pessoas com quem se relaciona em seu emprego. Correlacionada a poucos recursos, como problemas com autoestima e poder de decisão e apoio ineficiente de superiores e de colegas.
Diminuição da Realização Pessoal (DRP): O profissional se sente incompetente, incapaz, com a certeza de seu trabalho não faz diferença (se encontra emocionalmente consumido). Também apresenta correlação com baixos recursos.
Castro e Zanelli (2007) ainda citam que Benevides-Pereira (2002), Maslach, Shaufeli e Leiter (2001) e Shaufeli e Bunnk (2003) ainda descreveram uma série de fenômenos corporais e emocionais relacionados à síndrome, tais como: “dores de cabeça, tensão muscular, distúrbios do sono, irritabilidade, sentimentos negativos que começam a afetar o relacionamento familiar e a vida em geral, propensão a largar o emprego e absenteísmo”.
O burnout pode ser desencadeado por um conjunto de situações e eventos estressores presenciados no cotidiano laboral das organizações. Castro e Zanelli (2007) afirmam que dois estudos (Maslach e Leiter (1997) e Maslach, Leiter e Shaufeli (2001)) especificaram que esses conjuntos são subdivididos em relacionados “às altas demandas” e os relacionados “aos poucos recursos”, conforme descrito no quadro abaixo:

Os mesmos autores, afirmam que na revisão de literatura sobre burnout feita por Jardim, Silva Filho e Ramos (2004) da literatura (materiais publicados entre 1980 e 2001) confirmou-se “a prevalência de burnout em profissionais da área de serviços de assistência (professores, profissionais da saúde, policiais, assistentes sociais, advogados etc.)”.
Em suma, pode-se dizer que não se pode reduzir a síndrome de burnout à exaustão física e emocional associada à sobrecarga de atividades laborais. É importante salientar ainda os diversos tipos de estressores, que vão desde os concernentes à interpessoalidade (conflitos e/ou falta de suporte), até às correlacionadas as atividades burocráticas hierárquicas (como ambiguidade de funções e pouca ou nenhuma autonomia). Estes, convergem em retirar da pessoa tanto a sua condição de capacidade na realização de seus trabalhos, como em sentir-se realizado através destas atividades. Para melhor compreensão de burnout é imprescindível situar esse indivíduo incluso nesse ambiente de estressores laborativos permeados pela estrutura funcional da empresa onde ele está inserido. Estrutura esta, responsável por impessoalizar o trabalho e tornar os indivíduos alienados.
2. PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE BURNOUT
Segundo Castro e Zanelli (2007) a síndrome de burnout necessita ser entendida como um decurso de desenvolvimento e o fundamento desse decurso ainda é desconhecido. Ao tratar o decurso de desenvolvimento de burnout, nota-se a seguinte dificuldade: a de entender como alguns profissionais que ao início de suas carreiras estão cheios de desejos a realizar, expectativas, ideais, comprometidos e motivados com o que executam, transformarem-se, com o passar do tempo, em profissionais exaustos, frustrados e descomprometidos.
De acordo com Castro e Zanelli (2007) a síndrome de burnout se desenvolve como um resultado aos estressores crônicos laborais. Os profissionais que desenvolvem a síndrome de burnout são os que mais se dedicam a um projeto, que investem em seu trabalho; são mais identificados com os ideais da profissão que exercem. Os profissionais querem alcançar um futuro para si próprios por meio da profissão que desempenham e desenvolvem a síndrome quando começam a experienciar fracassos e decepções com relação aos seus projetos futuros.
A síndrome de burnout acontece como uma resultante da perda de um ideal, quando o decurso de decepção está começado. Quando os grandes ideais e altas expectativas que os profissionais possuíam ao início de suas carreiras são perdidos, os sujeitos são conduzidos a uma redução drástica da realização pessoal que esgota suas forças. Castro e Zanelli (2007)
A síndrome de burnout se desenvolve em razão de um desequilíbrio entre os valores individuais pretendidos pelos indivíduos e a realidade organizacional na qual não acham lugar. Os sujeitos que desenvolvem burnout são comprometidos com um futuro profissional e empenhados com alguns princípios que querem pôr em prática, e o fracasso e a perda desse futuro constituem desilusão e uma perda do comprometimento, propiciando lugar à sintomatologia de burnout. Castro e Zanelli (2007)
O decurso de desenvolvimento de burnout é resultante ao estresse crônico vivenciado no trabalho, levando o sujeito à exaustão emocional, e como defesa ele começa a tratar as pessoas com quem trabalha com frieza, cinismo e desprezo, o que reduz a realização pessoal, compondo-se um quadro de burnout. A chave para entender o desenvolvimento da síndrome de burnout é a exaustão emocional, pois dela depende o desenvolvimento das características de despersonalização e redução da realização pessoal. Castro e Zanelli (2007)
A relação do profissional com os indivíduos a quem presta assistência é a fundamental fonte de estresse e potencialmente capaz de conduzir ao esgotamento emocional. O centro de trabalho dos profissionais que prestam assistência está nos problemas dos indivíduos que necessitam ser resolvidos, o que os faz estarem envolvidos em relações grandemente estressantes constantemente. À proporção que os profissionais nas organizações de assistência acham-se envolvidos com grande sobrecarga de trabalho e enfrentando clientes insatisfeitos, que não têm suas necessidades satisfeitas, essa grande sobrecarga e a ausência de feedback positivo constituem-se uma fonte de insatisfação, desilusão e sofrimento psicológico que pode conduzir as pessoas à exaustão emocional e, por conseguinte, a burnout. Castro e Zanelli (2007)
O decurso que vai do estresse crônico ao esgotamento emocional passa por experiências de insatisfação, desilusão e sofrimento psicológico em razão do fracasso em produzir, por meio de seu trabalho, melhores condições de vida para os indivíduos assistidos. O desenvolvimento de burnout se dá como um decurso no qual o sujeito, em razão do estresse crônico laboral, é conduzido à exaustão emocional e, por conseguinte, à despersonalização como defesa e, por fim, à redução da realização pessoal. Castro e Zanelli (2007)
A ausência de suporte entre os profissionais nas organizações gera uma grande incerteza com relação à melhor forma de realizar as atividades profissionais, o que, no que lhe concerne, conduz ao isolamento, ao medo da incompetência, à procura solitária de quem só conta consigo para conservar sua competência profissional e, como decorrência desse decurso, degrada a orientação para mudança e a autoestima, levando à exaustão física e emocional. Castro e Zanelli (2007)
Com relação ao sentimento de fracasso psicológico no transcurso de mudança do estresse crônico em burnout, os sentimentos de competência e eficácia para se alcançar resultados pretendidos e pessoalmente significativos são uma fonte de motivação para a ação humana. Os profissionais, quando não alcançam os resultados pretendidos com os quais estão comprometidos pessoalmente são conduzidos a um sentimento de fracasso psicológico. É esse sentimento que os faz passar do estresse à apatia, ao desinteresse completo e à depreciação das recompensas intrínsecas ao trabalho executado. Os estressores, ausência de suporte, ausência de autonomia e sobrecarga, levam o sujeito ao fracasso psicológico, determinado pelos sentimentos de perda da competência e eficácia profissional. Esse fracasso psicológico é evidente pela redução da realização pessoal, capaz de esgotar emocionalmente o sujeito e, em seguida, conduzir à despersonalização. É frente a um futuro desejado e particularmente significativo para alguém que o fracasso da competência e da eficácia torna-se fracasso psicológico e, consequentemente, pode desencadear burnout. O fracasso psicológico sucedido na origem de burnout torna-se inteligível quando correlacionado ao fracasso desse significado maior e transcendente que o trabalho adquire na vida das pessoas. Castro e Zanelli (2007)
Na concepção existencial, para Pines e Aronson (1988), o trabalho na vida moderna ganha um significado existencial, isto é, significa algo no grupo da existência passada, presente e futura do sujeito, que vai mais longe da relação com as funções profissionais em si mesmas. A origem de burnout estaria no fracasso desse significado existencial que o trabalho ganha para um indivíduo, explicando que a sobrecarga, a ambiguidade de funções, a ausência de suporte e autonomia, ao dificultarem a execução do trabalho de professores, enfermeiros, médicos, assistentes sociais, advogados, policiais, suscitam um fracasso do significado existencial que essas profissões constituem na vida de cada um, originando uma experiência de fracasso e desilusão capaz de transformar o estresse em burnout.
De acordo Pines (1993) o decurso de desenvolvimento da síndrome de burnout pode ser apresentado do seguinte modo: no ponto de partida há objetivos e expectativas pessoais que se inserem em expectativas de grupos específicos e no mundo profissional e que exprimem a procura de um significado existencial do trabalho para o conjunto da vida do sujeito. Posteriormente, o conflito do sujeito com uma realidade estressante identificada pela presença de características negativas e pela ausência de características positivas, resulta na redução da realização pessoal, na despersonalização e no esgotamento das energias para enfrentar as circunstâncias estressantes de trabalho.
3. SÍNDROME DE BURNOUT À DEFINIÇÃO DE PROJETO DE SER
Considerando-se que alguns aspectos psicológicos, provocados pelos problemas decorrentes de relacionamentos no ambiente de trabalho, implicam diretamente na importância e proporção que o futuro deve ter para o homem, é essencial navegarmos segundo as definições do “Projeto de Ser” desenvolvido por Sartre. Isso porque esse conceito esclarece, com princípios científicos, a relação do homem com o porvir, onde o mesmo buscou evidenciar toda a importância dessa relação ao seu futuro no sentido de sua própria existência e a função que indivíduo tem nesse futuro.
Para Sartre, a ação humana não pode limitar-se a si mesma, antes, remete-se sempre a algo mais amplo e a compreensão dessa ação somente é possível se analisar o futuro em direção ao presente. Compreende-se, então, que “o homem é seu projeto” e não apenas um ser que tem um projeto, isso significa que o futuro ao qual um indivíduo está se dirigindo se move e busca criar, não apenas novos utensílios ou situações no mundo real, mas busca produzir a si mesmo pelo trabalho e pela ação.
Sartre sempre buscou evidenciar em seus estudos e em suas aplicações, tanto no campo da prática quanto da teoria essa dimensão. As teorias de Sartre também puderam ser constatadas por vários autores, inclusive GAULEJAC, quando este buscou observar as trajetórias profissionais de pessoas que saíram de suas classes sociais e experimentaram um crescimento nesse âmbito. Para Sartre o homem deve planificar a si mesmo rascunhando sua própria vida, não apenas nas conquistas profissionais e materiais em busca de guinadas sociais, mas, que o homem também tem a necessidade de se reinventar a todo tempo afim de ultrapassar suas realidades do passado, tanto de sua infância como de sua juventude a partir da origem sócio histórica de sua família, dando a entender que essa ultrapassagem do passado em relação ao futuro projetado não pode ser reduzido apenas às condições ambientais organizacionais e pela sociedade.
Dessa forma, o ato de trabalhar assumi novas proporções de significância na vida do indivíduo, elucidando aquilo que ele propôs e elegeu como projeto para seu futuro. O projeto de ser de Sartre busca definir o “para quê da ação humana” deixando evidente que é rumo a um mundo futuro que o homem projeta em si cada uma de suas ações. Sendo assim, pode-se dizer que o significado e a função que o trabalho exerce na existência de cada indivíduo só pode ser compreendido a partir do projeto de ser que o sujeito elegeu e no qual está determinado, com um esforço constante de superação tanto das condições sócio históricas atuais, “quanto das contradições sociológicas passadas”.
4. RELAÇÕES ENTRE PROJETO DE SER E A SÍNDROME DE BURNOUT
Castro e Zanelli (2007), postulam que, segundo a ótica do “Projeto de Ser” sartriana, pode-se caracterizar o trabalho desempenhado pelo homem como um projeto e não apenas como “respostas a estímulos contingentes”. A atividade profissional tem por objetivo fundamental produzir uma realidade futura escolhida pelo sujeito e que este quer introduzir no mundo real. Esta realidade futura, chamada por Sartre de “projeto”, tem um sentido, uma forma do ser humano produzir a si mesmo no mundo à sua volta como “certa totalidade objetiva”.
O projeto de ser de cada um influencia direta e indiretamente na relação que cada trabalhador tem com seu trabalho. Castro e Zanelli (2007) descrevem quatro aspectos que relacionam o projeto de ser e a síndrome de burnout:
As altas demandas aliadas a escassez de recursos existentes nas organizações tornam-se estressantes à medida que tornam o trabalhador alienado dos resultados que dão perspectiva à ação profissional dele. Pode-se dizer em outras palavras que o trabalho estressante possibilita que o modo como o indivíduo é alienado transforme os projetos de ser em ilusões, desqualificando-os;
Um segundo aspecto a ser destacado é que o projeto de ser unifica a totalidade da história individual do trabalhador, permitindo compreender os projetos profissionais como instrumentos na realização de uma totalidade mais ampla. Significa que para se compreender o projeto de ser de qualquer pessoa implica em entender a escolha inicial ou projeto” que o sujeito fez de si mesmo no mundo”. Os empreendimentos e projetos profissionais realizados pelo indivíduo possuem “uma função psicológica na totalidade da personalidade”, ao passo que a atividade profissional faz parte de uma estrutura muito maior que é o projeto de ser. Para a compreender o desenvolvimento da síndrome de burnout é de fundamental importância a identificação da função do trabalho dentro do projeto de ser singular. Sendo assim, é possível compreender como “os estressores crônicos laborais” podem ser responsáveis em conduzir a desvios e até fracassos psicológicos incapacitantes desse projeto de ser, à medida que chegam a alcançar “a totalidade do sujeito e não unicamente o seu perfil profissional”.
Um terceiro aspecto é a questão do “desejo presente na motivação profissional”. Pois, um ponto observado nos trabalhadores que apresentam esgotamento, que tendem a se despersonalizar e perdem sua satisfação pessoal é o fato de possuírem (em algum momento de suas carreiras profissionais) grande motivação e comprometimento em sua profissão, apresentando saudável e satisfatória relação com o trabalho e não tratando-o como uma “obrigação compulsória”. Sartre (1986) apud Castro e Zanelli (2007) contraria Freud ao negar a motivação como “força inconsciente resultante da energia pulsional” e afirmar que a motivação que remete ao trabalho humano se dá em função “da realização de um futuro projetado do qual o indivíduo encontra-se em falta ou necessitado”.
Um último aspecto sobre essas relações diz respeito à suposição dialética entre a objetividade representada pelas condições organizacionais e a singularidade do homem assimilada como projeto de ser. Assim, os eventos estressores nas relações trabalhistas são condições objetivas condicionadas por fatores administrativos e econômicos que definem essa dinâmica estressante nas organizações, perfil do mundo laboral no contexto histórico da atualidade. No entanto, tais variáveis referem-se à função que exercem “no movimento concreto de um profissional em direção ao futuro projetado”.
Para melhor entendimento dessa relação, Castro e Zanelli (2007) citam alguns estudos realizados com trabalhadores, que interligam seus “projetos de ser” com burnout:
O primeiro autor mencionado foi Seligmann-Silva (1994), que ao estudar trabalhadores de uma indústria metalúrgica, observou-se nos sujeitos entrevistados como a relação com a realidade exaustiva do trabalho “era ultrapassada em direção a uma determinada possibilidade futura que dava sentido à tarefa exercida” (que é seu projeto de ser): para alguns deles era a busca da casa própria para providenciarem às suas famílias “uma garantia material” que estes não tiveram; Já, para outros, o projeto de ser era ter seu próprio negócio tornando-se assim, empreendedores e é desse projeto de ser proprietário de seu próprio negócio de onde vem a motivação e o desejo de poupar ou de superar jornadas extensas de trabalho.
Em seguida, Castro e Zanelli (2007) citam Sampaio e Carneiro (1997) que discutem o caso de uma policial, que identifica-se nela um projeto de ser alguém que deveria proteger as pessoas e, assim, tornar-se forte e corajosa dentro de seu grupo familiar. O trabalho de fazer rondas na escola remete ao projeto de ser original (através da polícia, uma mulher corajosa, forte e protetora do próximo), que “unifica sua história passada, presente e futura como filha de um militar corajoso, como esposa de um membro da polícia e como mãe exemplar para seus filhos”. É de seu projeto de ser uma policial corajosa e forte, que existe no mundo para proteger os cidadãos á sua volta, que traz como resultado o “desejo de fazer a ronda na escola”, de enfrentar bandidos, suprimindo, dessa forma, a insegurança existente na realidade objetiva.
Como se sabe, o desenvolvimento da síndrome de burnout está intimamente ligado àqueles profissionais inicialmente motivados e comprometidos com sua profissão, e que gradativamente vão se exaurindo, descomprometendo-se e fincando frustrados. E que tal processo indica desvio ou perda desse projeto de ser original, o que diretamente afeta o desejo de desempenhar tal trabalho e “de ser determinado sujeito através do trabalho que realiza”. No exemplo da policial estudada, ela foi estuprada em seu ambiente laboral, na sequência foi consumindo esforços com os policiais corrompidos por criminosos, até chegar ao ponto de desconfiar que seu pai e seu marido também se tornaram corruptos. Cada um desses acontecimentos corresponde um abalo no projeto (e no desejo) de ser dessa policial: quando foi estuprada manteve a esperança “para não perder a paixão” pela corporação policial e após quatro anos exaurindo-se com os policiais corruptos e desconfiando da corrupção de seu pai e seu marido, não suportou mais em continuar a ser policial, pediu então afastamento do trabalho, apresentando quadro psicológico severo. Esse futuro tão desejável e possível de ser policial foi sendo abalado de forma progressiva e o projeto original de ser forte e corajosa, através da polícia, em seu grupo familiar foi se tornando cada vez mais distante de poder ser realizado. Por conseguinte, o projeto de ser vai sendo desviado por obstáculos não superados e, como consequência, o desejo de ser determinada profissional, mãe e filha corajosa dentro de seu grupo familiar vai se perdendo. O futuro, que antes motivava seu comprometimento na profissão foi perdido, o projeto que gerava o desejo por seu trabalho torna-se inviabilizado, restando assim: o fardo de um emprego sem perspectivas, a frustração pelo projeto e desejo de ser não realizados e o descomprometimento com um futuro já impossível.
Outro caso, estudado por Lima (2002), é o de um vigia noturno que evidencia em todos os seus empreendimentos profissionais o projeto de se tornar “gente de respeito”, “com coragem para trabalhar”, “não ser preguiçoso” para, dessa forma, superar a escassez material. É desse projeto de ser que tem como resultado o desejo e a motivação de superar um ofício penoso como vigia noturno e, assim, vencer essa falta resultante da escassez material.
Por fim, menciona-se Aubert (2001) que apresenta o caso de uma executiva em que a troca de um gerente acarretou drástica privação das possibilidades de futuro profissional dela dentro da empresa. Um futuro que tinha relação com a função que o trabalho tem para as mulheres de seu sociológico familiar e, nesse momento em que a executiva compreendeu-se impossibilitada pelas de viabilizar seu projeto de ser, ela fica desesperada como se tivesse perdido sua função para outros, tanto dentro, quanto fora do ambiente laboral. Assim, o desvio de seu projeto de ser ou seu fracasso remete às estruturas objetivas e sociais em direção as quais o indivíduo se encontra projetado, e, de igual modo, a união de estruturas objetivas e eventos estressores presentes na realidade organizacional somente tem significado se remetidas ao projeto de cada trabalhador.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para compreender o decurso de desenvolvimento da síndrome de burnout é necessário realizar investigações longitudinais ou evolutivas que, ao longo de um decurso temporal e histórico, averigúem como se articulam e se determinam as condições objetivas de vida e de trabalho e os processos psicológicos. O decurso de transformação do estresse crônico em burnout pressupõe uma experiência de fracasso. O fracasso do profissional em fazer a vida das pessoas com quem escolheu trabalhar mais feliz e saudável; o fracasso da orientação para a mudança e da autoestima; o fracasso psicológico por não se conseguir os resultados pretendidos e significativamente relevantes; e o fracasso do significado existencial que o trabalho apresenta numa completude histórica e individual. Castro e Zanelli (2007)
Por meio do fracasso do homem no trabalho suscitam-se os sintomas de burnout. É um indivíduo em sua integralidade que fracassa, uma vez que a significação de um projeto profissional provém do projeto de ser. O fracasso no perfil profissional apenas mostra-se capaz de provocar a síndrome de burnout quando o futuro possível e quisto para o qual o indivíduo nomeou-se e está planejado é perdido. Castro e Zanelli (2007)
A explicação de projeto de ser possibilita entender que o fracasso não se limita a uma história objetiva e individual, mas a um fracasso das organizações na administração das relações de trabalho e da produtividade. Pois ao se aumentar as demandas e reduzir os recursos, tem-se estabelecido um grupo de condições objetivas produtoras de serialização e solidão, que afastam os sujeitos com relação a seu futuro desejável e os levam, por motivos de subsistência material, a consentirem com toda forma de desvios e desistências com relação a seus projetos originais.

REFERÊNCIAS
CASTRO, Fernando Gastal de; ZANELLI, José Carlos. Síndrome de burnout e projeto de ser. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, v. 10, n. 2, p. 17-33, 2007. Disponível em:<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-37172007000200003 >. Acesso em 20 abr. 2017.
Fonte:
Trabalho apresentado por Adriana da Silva e Tatiane Micheli Okamoto Silva Vicente em 04/2017 à Universidade Norte do Paraná - UNOPAR, como requisito parcial para a obtenção de média bimestral na disciplina de Saúde Mental e Trabalho Orientador: Prof.ª Filomena R. Storti Mineto








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